O que é a lei 321?
Em termos gerais, a Lei 321 foi promulgada em 1925 e estabelece o direito à liberdade condicional (L.C.) para pessoas condenadas à prisão. Esta lei não modifica a condenação, mas permite que as pessoas presas cumpram a pena na rua desde que atendam a alguns requisitos.
Quais foram as modificações?
Em 18 de janeiro de 2019, o Congresso alterou os requisitos do Decreto de Lei 321 para o acesso à liberdade condicional e a principal modificação é que deixa de ser um direito e passa a ser um benefício para a população penal. Esta modificação está no Artigo 1 e tem uma implicação técnica substancial. Se supõe que os direitos são inalienáveis e adquiridos e, portanto, seguindo o jogo do sistema, não podem ser retirados assim. Em outras palavras, antes da modificação desse artigo toda a população carcerária tinha o direito de postular a liberdade condicional, sem distinções arbitrárias e nem por tipos de causas.
Antes da modificação, xs presxs poderiam exigir a um juiz uma revisão para obter liberdade condicional (L.C.). Este, caso encontrasse um motivo “válido”, poderia rejeitar o pedido, limitando o acesso a tal direito. Contudo, ao se tornar um benefício, xs presidiárixs devem comprovar o cumprimento dos requisitos antes mesmo da chegada de um juiz. Anteriormente, quando cumpridos os requisitos legais de solicitação, a comissão de liberdade condicional não podia rejeitar sua concessão.
Agora, com essa modificação, a L.C. se converteu em um benefício e o pedido pode ser rejeitado arbitrariamente, mesmo quando todos os requisitos forem cumpridos, já que passa a ser considerada um ato de graça/benevolência da autoridade e não mais um direito do condenadx.
Requisitos
Além disso, na referida modificação se incorpora uma série de novos fatores como requisitos para se acessar ao referido benefício:
A elaboração de um relatório psicossocial favorável, elaborado pela Gendarmeria. Este relatório contém avaliações individuais sobre o risco de reincidência e os antecedentes sociais da pessoa requerente. Portanto, ao tornar imprescindível que este documento seja FAVORÁVEL, nas situações em que isso não ocorrer a liberdade condicional não será concedida, mesmo quando a pessoa que solicitou cumpra com todos os requisitos.
Esse ponto fortalece explicitamente as arbitrariedades da Gendarmeria, já que as pessoas mais afetadas seriam as presas que tiveram conflitos com esta instituição, o que é extremamente fácil de ocorrer ao estar presx e vigiadx pelos carcereiros. O Estado, na prática, acaba por delegar à Gendarmeria a faculdade de dizer quem tem a oportunidade de acessar a liberdade condicional e, assim, termina por perpetuá-la como um benefício, pois fica em suas mãos a decisão de se xs presxs cumpriram ou não com os critérios.
A modificação dos requisitos relativos à conduta
Exige a constatação de um comportamento classificado como “MUITO BOM (MB)” nos últimos 4 bimestres (8 m) antes da solicitação de L.C.. Anteriormente, essa avaliação era exigida somente em relação aos últimos 3 bimestres (6 meses) e deveria ser acompanhada apenas de uma avaliação “BOA (B)”.
Para certos delitos, foi aumentado o tempo mínimo de cumprimento da pena para se acessar à liberdade condicional. A regra geral para requerer a L.C. era ter cumprido metade do tempo da pena (tempo mínimo de aplicação), mas agora, com a classificação da maioria dos delitos, passou a ser necessário cumprir 2/3. Nesse sentido, em termos práticos, isso se torna a verdadeira regra geral.
A exigência mínima de cumprimento da pena para acessar a L.C. já havia sido modificada com a lei de Agenda Corta Antidelincuencia do ano de 2016, passando de 1/2 para 2/3. Todavia, essa regra não era aplicada e passou a ser utilizada a partir da modificação do Decreto de Lei 321.
O artigo Nº9
Esse artigo apresenta um outro entrave, já que introduz a exigência de cumprir com os requisitos mencionados desde que se SOLICITE o benefício.
Essa incorporação estabelece duas situações: por um lado perpetua os novos requisitos como pressupostos para acessar ao “benefício”, seguindo com a lógica de apresentar novas regras que alteram e dificultam a possibilidade de acesso à liberdade condicional. Por outro lado, estabelece que as novas modificações do Decreto de lei 321 se aplicarão de forma RETROATIVA, ou seja, não somente desde sua implementação ou promulgação (janeiro 2019), mas afetando quem ingressou à prisão antes da modificação do decreto e quem estava em processo de solicitação ou teve sua liberdade condicional negada por conta da mudança das regras do jogo. Por isso, em agosto de 2019 milhares de presxs se mobilizaram nas cadeias em repúdio à retroatividade e modificação da lei.
Considerações legais para não se perder de vista:
– Como regra geral, a lei não é retroativa, podendo regular apenas os fatos posteriores ao seu estabelecimento. Uma lei só pode ser retroativa quando isso for expressamente estabelecido.
– A lei não pode ser aplicada com efeitos retroativos.
– A aplicação retroativa não pode afetar direitos adquiridos ou amparados por garantias constitucionais.
Hoje, 22 de março, presxs políticxs¹ sequestradxs pelo estado chileno decidiram inciar uma greve de fome indefinida exigindo a RESTITUIÇÃO do Artigo 1 do Decreto Lei 321 para, assim, reestabelecer a natureza jurídica da liberdade condicional como um direito. E a completa REVOGAÇÃO do Artigo 9 do Decreto de lei 321, baseado nos próprios argumentos jurídicos que o Estado de direito impõe e tanto proclama, pois é uma norma inconstitucional que viola princípios jurídicos contidos em numerosos tratados INTERNACIONAIS assinados pelo estado chileno. O valor jurídico de um tratado internacional é de uma HIERARQUIA SUPRALEGAL. Em outras palavras, tem um valor de NORMA CONSTITUCIONAL, sendo uma lei da República.
A certeza jurídica estabelece que a lei deve estar tipificada antes de ser aplicada axs presxs, portanto elxs podem utilizar-se dela, mas em caso desta ser prejudicial, existe outro princípio indubius pro reo, ou seja, frente a existência de duas leis, deve ser aplicada a mais favorável.
A modificação desta lei não faz mais do que evidenciar a real intenção da existência dos muros e grades, que é a de aniquilar física, mental, moral e espiritualmente. Qualquer pessoa que tenha tido contato direto ou indireto com esses locais sabe que a suposta reinserção não existe nem durante e nem depois. A instituição carcerária e seus algozes só geram dor, sofrimento, superlotação e violência.
A prisão foi, é e sempre será uma máquina de tortura e extermínio. Valorizamos a iniciativa dxs presxs, que, com coragem, se levantam contra o monstro de cimento, exigindo com luta o pouco que possuem e que delxs querem tirar.
Não agimos pelas leis e nem pelos direitos, mas nos solidarizamos com quem está lutando por sua liberdade a partir de seus modos e das possibilidades que lhes são apresentadas, tendo seus corpos como armas. Não esquecemos que são companheirxs sequestradxs pelo estado.
Mónica Caballero Sepúlveda
Marcelo Villarroel Sepúlveda
Joaquín Garcia Chanks
Juan Flores Riquelme
Juan Aliste Vega
Francisco Solar Domínguez
Pablo Bahamondes Ortiz
José Duran Sanhueza
Tomas González Quezada
Gonzalo Farias Barrientos
Pela Revogação do artigo 9 e a Restituição do artigo 1 do decreto de lei 321 !!!!
Pela saída do kompanheiro Marcelo Villarroel e de todxs xs prisionerxs subversivxs, anarquistas, da liberação mapuche e da revolta!!
Que a solidariedade rache os muros de todas as prisões!!!
Pelo fim da sociedade carcerária!!!
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¹ nota de tradução: ainda que nem todas as pessoas presas tenham sido sequestradas pelo estado por conta de uma ação considerada “política”, ainda que nem todas elas tenham uma perspectiva antiautoritária e, portanto, nem todas sejam nossas companheiras, consideramos importante ressaltar que toda prisão é política. e dizemos isso por entendermos que a destruição da distinção entre prisão política e prisão comum é um elemento necessário para a destruição real da sociedade carcerária.