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[tradução] ENTREVISTA SOBRE A GREVE DE FOME DE PRESXS ANARQUISTAS E SUBVERSIVXS

Dando continuidade à campanha solidária com a luta contra as prisões no território dominado pelo Estado chileno, traduzimos uma entrevista realizada por Vamos hacia la vida.

  • breve nota de tradução: a entrevista, em  alguns momentos, se refere às pessoas presas em luta como “presxs políticxs” e nós, por consideração axs compas que a realizaram, mantivemos o termo na versão traduzida. contudo, como a luta anticarcerária e abolicionista penal é coletiva e está em permanente construção, tomamos a liberdade de escrever essa nota para retomar uma afirmação presente em uma de nossas publicações: “ainda que nem todas as pessoas presas tenham sido sequestradas pelo estado por conta de uma ação considerada ‘política’, ainda que nem todas elas tenham uma perspectiva antiautoritária e, portanto, nem todas sejam nossas companheiras, consideramos importante ressaltar que toda prisão é política. e dizemos isso por entendermos que a destruição da distinção entre prisão política e prisão comum é um elemento necessário para a destruição real da sociedade carcerária”.
Cumplicidade e solidariedade irrestrita com xs compas em luta!
Pelo fim da sociedade carcerária!
pela liberação total!

edições insurrectas

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Entrevista sobre a greve de fome dxs presxs políticxs anarquistas, subversivxs e da revolta

por vamos hacia la vida

Desde o dia 22 de março um grupo de presxs políticxs anarquistas, subversivxs e da revolta iniciou uma greve de fome para exigir o fim [das alterações no] Decreto de Lei 321, que transforma o antigo direito à “liberdade condicional” em um “benefício” muito difícil de ser alcançado. Também exigem a liberdade de Marcelo Villaroel, que passou 25 anos em várias prisões. Sobre esta nova mobilização levada adiante desde o interior das prisões da democracia, conversamos com xs porta-vozes [vocería] dxs companheirxs.

Quais sãos as características comuns entre xs companheirxs que estão levando adiante a greve de fome dentro das prisões?

A Prisão Política no Chile é um reflexo do contexto e da composição das distintas expressões das agudas e diferentes lutas sociais que se desenvolvem no território nacional; por isso, é possível encontrar posicionamentos particulares das pessoas que observam e análises desde o amplo campo negro que expressa o anarquismo. Contudo, todxs têm como denominador comum o rechaço absoluto e combativo ao sistema político burguês, capitalista, explorador, depredador, repressivo e sempre funcional e serviçal aos interesses de ricos e exploradores. Assim, dentro da Prisão Política existem muitíssimas pessoas detidas no contexto da enorme revolta social desatada no país a partir de outubro de 2019, há presxs subversivxs, autônomxs, anarquistas, várixs delxs cumprindo longas penas, posicionadxs desde um real estado de guerra social contra o sistema imperante, contra quem o sustenta e contra seus falsos críticos, contra o estabelecido e contra toda autoridade.

Quais consequência as modificações no Decreto de Lei 321 trazem para as pessoas presas que optam pela liberdade condicional?

São várias e nefastas consequências, começando pelo fato de que é a única lei retroativa no Chile (e sem dúvida em muitos países), ou seja, seus efeitos e vigência afetam a qualquer pessoa presa sem se importar se suas condenações foram feitas anos ou inclusive décadas antes de sua promulgação. A eliminação do artigo 1º da 321, substituído pelo artigo 9º, significa um endurecimento sem precedentes dos requisitos para optar pela liberdade condicional, que deixou de ser um direito dxs presxs para se converter em um benefício. Se aumentou consideravelmente a proporção do cumprimento da pena para poder solicitar o que hoje é um benefício, assim, se antigamente se exigia o cumprimento de metade de uma pena, hoje se exige 2/3. Além disso, mudou o sistema que outorgava as liberdades condicionais, antes colegiado entre a gendarmeria, juízes e policiais, passando a depender exclusivamente de uma instituição nefasta, fascista, aniquiladora e torturadora como é a gendarmeria.

Como isso tudo afeta em particular o preso político Marcelo Villaroel Sepúlveda?

Isso afeta Marcelo Villarroel particularmente. Ele carrega um total de 25 anos encarcerado em 3 momentos. Atualmente se encontra condenado a 14 anos por uma expropriação bancária. Com os atuais mais de 11 anos transcorridos atrás das grades ele já deveria estar na rua, mas devido a uma condenação imposta há mais de 25 anos pela putrefata justiça militar, está a décadas de poder acessar a liberdade condicional.
É o único Preso Político no país condenado pela promotoria militar, apesar de se supor que desde alguns anos atrás, nenhum civil pode ser julgado por esse engendro de justiça. Suas penas, que somam 40 anos, se retrotraem ao contexto de sua militância no Mapu Lautaro, organização guerrilheira, que desde a ditadura de Pinochet combateu, com armas nas mãos, o sistema capitalista em sua versão fascista e neoliberal, bem como a sua continuidade “democrática” depois de março de 1990. Hoje o órgão jurisdicional que vela pelo cumprimento das penas – gendarmeria – determina que Marcelo “deve” aos tribunais militares mais de 25 anos de prisão, portanto, após cumprir sua pena pelo “caso security” deve começar a cumprir os anos que supostamente lhe faltam.

Até o momento, qual foi a resposta da gendarmeria e do Estado frente a demanda da mobilização?

A resposta da gendarmeria tem sido a habitual nestes casos, ou seja, ameaças, amedrontamento, imposição de sanções e castigos que buscam isolar nossxs companheirxs do entorno social e familiar solidário e cúmplice. O Estado, particularmente por meio do sistema judicial, convocou xs companheirxs a audiências onde foram convidadxs a abandonar sua atitude, pois supostamente ela só iria prejudicá-lxs e levar à sanções. A resposta foi clara e contundente, os motivos da greve são claros e legítimos: a revogação do artigo 9º da lei 321, a restituição do artigo 1º e a liberdade imediata para Marcelo Villaroel.

Qual opinião vocês têm a respeito do desenvolvimento atual da luta de classes na região chilena? Levando em conta a revolta, a apressão generalizada, a pandemia, o processo constituinte etc.

A partir de outubro de 2019 claramente se produz um salvo qualitativo e muito quantitativo no multiforme rosto da revolta, manifestação e guerra social; não é que antes não existisse ou nõa havia se expressado, inclusive a continuidade histórica das lutas socials por igualdade, justiça e solidariedade entre humanos existe desde muito tempo. O que mudou mudou o país, as organizações e movimentos sociais neste território para sempre foi a rebeldia, combatividade e efetividade dos ataques e ações de autodefesa realizados por múltiplas expressões, organizadas ou não, da relação entre pessoas não adaptadas, marginalizadas, exploradas e originárias. Desde a época da ditadura de Pinochet que não se via os atuais níveis de conflitividade, sua persistência e continuidade. A partir daí é possível entender (ainda que nunca esquecer e muito menos “perdoar”) os inumeráveis, massivos e brutais embates das forças repressivas. Realmente seu sistema de dominação mais do que cambaleou, conheceram a fúria insurreta de infinitas gerações de rebeldes personificadas em um contexto histórico, o do Chile de hoje em dia, muito diferente do de apenas 2 anos atrás, já embarcado em um caminho insurreto sem retorno.

Por último, o que se necessita de mais urgente dos entornos solidários com a luta dxs presxs?

O mais urgente é desenvolver múltiplas ações de apoio e solidariedade, difundir ampla e cotidianamente essas demandas legítimas; somente a imaginação é o limite, que cada pessoa coloque a sua, não existem apoios melhores ou piores, a solidariedade de classe, o apoio mútuo e o combate ao estabelecido são nossos horizontes.